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ECLIPSES
UM JOGO CÓSMICO

Para um cidadão menos atento, os céus parecem ser imutáveis, nada (ou pouco) variando ao longo dos meses. No entanto, os astros estão sempre em movimento, e por vezes este jogo celeste traduz-se por fenómenos de rara beleza. Assim será para todos os que tiverem a coragem de ficar acordados até mais tarde na noite de 8 para 9 de Novembro próximo (ver página 7 deste boletim). Nessa altura, por volta da uma da manhã, a sombra da Terra vai cobrir a Lua cheia, dando origem a um eclipse total da Lua. Durante séculos, os eclipses foram vistos como fenómenos assustadores, frutos de feitiçarias e demónios. No entanto, estes surpreendentes acontecimentos resultam simplesmente da dança de três astros: a Terra, o Sol e a Lua. Vamos então descrever com mais detalhe o fenómeno responsável por um eclipse.



Fotografia do grande eclipse do Sol, observado na Europa central em Agosto de 1999. Cortesia de Phillippe Duhoux (ESO)

Esquema que mostra o porquê de não termos eclipses todos os meses. Dado que a órbita da Lua está inclinada de 5º em relação ao plano da Eclíptica, o alinhamento do sistema Lua-Terra-Sol nem sempre é conseguido. Os desenhos não estão à escala

  Um eclipse é produzido pela sombra que um astro faz sobre o outro. Assim, se a sombra da Terra incidir sobre a Lua esta deixa de se ver por ficar às escuras (diz-se eclipse da Lua), ou se a sombra da Lua incidir sobre a Terra, o Sol deixa de ser visto nos locais da Terra que estão à sombra (diz-se eclipse do Sol). Como se vê, é um conceito terrivelmente simples: quando um astro é ocultado por outro ou deixa de estar iluminado (escuro=invisível), diz-se que se eclipsou! É fácil imaginar imediatamente que a condição de eclipse exige que os três astros Sol, Terra e Lua estejam dispostos exactamente em linha recta. Dado que a Lua roda em torno da Terra em 27,3 dias deveríamos então observar eclipses alternados do Sol e da Lua separados de 13,6 dias.

Para termos um eclipse, o sistema Lua-Terra-Sol tem de estar alinhado, o que acontece em cada 6 meses. Os desenhos não estão à escala.

  Isto seria verdade se o plano da órbita da Lua fosse complanar com o da órbita da Terra em torno do Sol (eclíptica), pois garantiria o alinhamento perfeito para que o cone de sombra de um corpo incidisse sobre o outro. Ora se não há eclipses com tanta frequência é porque estes dois planos não coincidem. Aliás, sabemos que estão inclinados de 5º entre si, o que é suficiente para a Lua passar por cima ou por baixo do cone de sombra da Terra (ou vice versa) permanecendo por isso sempre iluminada durante todo o ano, ou quase.

Esquema para exemplificar a forma da sombra da Lua (à esquerda) e da Terra (à direita). Enquanto que a sombra da Terra, maior, pode esconder completamente o nosso satélite natural (eclipse da Lua), a sombra da Lua, mais pequena, apenas pode esconder o Sol em locais restritos da Terra (eclipse do Sol).

  Contudo, a constância da orientação do plano da órbita da Lua (enquanto a Terra descreve a sua volta em torno do Sol), cria duas posições em que ocorre o alinhamento entre os três astros. Estas posições estão diametralmente opostas em relação ao Sol, e por isso separadas de 6 meses. Em cada uma delas um eclipse da Lua é seguido ou precedido pelo do Sol, mais ou menos em 13,6 dias. A junção destes dois factores faz com que haja pelo menos dois eclipses do Sol e dois da Lua, durante um ano.
  A única diferença entre estes dois eclipses está em que o eclipse da Lua é visível em todos os lugares da Terra onde é noite, enquanto que o eclipse do Sol apenas é visível nos lugares que momentaneamente ficam na sombra (da Lua). Como a sombra feita pela Lua sobre a Terra é muito menor que o tamanho da própria Terra, o eclipse é apenas visível nessa pequena área, que vai percorrendo o globo terrestre consoante este roda e a Lua progride na sua órbita.


ECLIPSES PARCIAIS: PORQUÊ?

  Só há eclipses quando a Terra, Lua e Sol se encontram numa das duas posições da órbita terrestre onde pode ocorrer o alinhamento entre os três astros. Numa passagem da Lua em coincidência perfeita (caso "b" na figura em baixo) teremos um eclipse total porque a Lua é menor que o diâmetro da umbra.

  Contudo, devido aos períodos orbitais da Terra e da Lua não serem múltiplos entre si, quando esta se aproxima de um desses pontos nem sempre ocorre um alinhamento perfeito (caso da trajectórias "a" e "c" nesta figura). Temos assim eclipses parciais.
  E se a Terra estivesse 5 vezes mais distante do Sol? O cone da penumbra ficaria reduzido a quase nada e a zona da umbra seria cilíndrica. Os eclipses da Lua continuariam a existir. Os do Sol também, mas seriam quase sempre totais. E se a Lua fosse 5 vezes mais pequena? Os eclipses totais do Sol são devidos à simples coincidência deste ter o mesmo tamanho aparente que a Lua. Com o afastamento progressivo que a Lua tem ao longo dos séculos, estamos a caminhar para uma situação em que os eclipses totais do Sol não mais existirão, pois a Lua não mais tapará completamente a nossa estrela.

O QUE VAMOS OBSERVAR: ALGUMAS DICAS

  Mas então o que é que vamos poder observar na noite de 8 para 9 de Novembro? Em primeiro lugar, um observador atento poderá verificar que a Lua se vai tornar gradualmente mais escura. A razão desta variação gradual prende-se com a geometria da sombra do nosso planeta. Como se pode ver na figura em baixo, a sombra da Terra no espaço não é um cilindro perfeito que faça uma transição brusca entre claro e escuro. Devido ao Sol ser muito maior que a Terra e estar relativamente perto de nós, a luz que sai do seu limbo direito (1) tem uma inclinação diferente daquela que sai do limbo esquerdo (4), em relação à Terra.


  Note-se que quando a Lua está na posição "a" recebe luz de todos os pontos na superfície solar (1 a 4) e por isso tem o seu brilho normal. Na posição "b" a Lua só recebe luz dos pontos 2 a 4, e quando chega a "c" apenas vê a superfície solar de 3 a 4. Por isso a Lua está a ser iluminada por uma fracção do Sol cada vez menor, enquanto progride na sua órbita, isto é: vai ficando mais escura. Como se vê na figura, existe uma zona por detrás da Terra que está totalmente às escuras. Esta zona designa-se por "umbra", e a outra onde a iluminação é variável designa-se por "penumbra".

Imagem de um eclipse total da Lua, observado na noite de 8 para 9 de Janeiro de 2001. Cortesia de Tunc Tezel.
  Mas quando finalmente a Lua entra completamente na umbra (totalidade), e contrariamente às expectativas dos mais desprevenidos, esta não fica completamente escura. Na realidade, esta toma geralmente tonalidades avermelhadas, tornando-se numa grande bola "enferrujada" que paira no céu. E embora a intensidade deste brilho varie de um eclipse para o outro, a Lua nunca desaparece por completo do céu. Mas porquê?
  A resposta a esta pergunta tem a ver com a atmosfera terrestre. Na verdade, a atmosfera do nosso planeta vai agir como uma espécie de lente, deflectindo e difundindo os raios solares na direcção da Lua. Esta vai assim ser iluminada por alguma radiação solar, algo que não aconteceria se a Terra fosse desprovida de atmosfera. Mas à semelhança do que acontece à luz do Sol quando este se encontra próximo do horizonte, a poeira na atmosfera da Terra vai absorver a radiação azul (de maior frequência), deixando passar apenas a luz vermelha. Deste modo, a luz que chega à Lua durante o eclipse é a componente mais vermelha do espectro solar. Dependendo, entre outras coisas, da quantidade de poeiras na atmosfera da Terra, a Lua vai tomar uma tonalidade e brilho diferentes. Este fenómeno é assim responsável pela espectacular tonalidade do nosso satélite natural durante um eclipse lunar.
  Assim sendo, resta-nos esperar por um céu limpo na noite de 8 para 9 de Novembro, pegar num cobertor, numa cadeira e num bom termo com café quentinho, e admirar o fantástico bailado cósmico que nos espera.


Rui J. Agostinho e Nuno Santos
CAAUL/OAL