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Editorial  

O Observatório esclarece as suas dúvidas de astronomia através do
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A O OUTRA FACE DA LUA

Questão:

Porque é que a Lua nos mostra sempre a mesma face?

  Qualquer observador da Lua repara rapidamente que esta nos mostra sempre a mesma cara. Para os mais distraídos isto até pode parecer natural, pois afinal de contas a Lua só é Lua quando tem a cara conhecida e por isso mesmo outra cara seria impensável! No entanto, se pensarmos um pouco mais na sua natureza física e pusermos de parte o nosso senso comum, vemos que a Lua é um planeta como qualquer outro e, como tal, deve possuir uma rotação própria. Na realidade é exactamente isso que acontece, a Lua roda tal como a Terra em torno de um eixo imaginário.

Imagem obtida pelos astronautas de uma parte do lado escuro da Lua. Cortesia da NASA e Apollo 16.
  Mas assim sendo, porque razão não vemos nós o disco da Lua variar? A resposta a esta pergunta não é complicada, devendo-se ao facto de o tempo que esta demora a completar uma rotação sobre si própria - período de rotação - coincidir exactamente com o tempo que esta leva a completar uma volta em torno do nosso planeta - período de translação.
  Sempre que se observa na Natureza uma tamanha coincidência, somos levados a pensar que talvez não se trate de uma verdadeira obra do acaso, mas sim de algo natural. Tanto mais que quando observamos a maior parte dos satélites dos outros planetas do nosso sistema solar, verificamos que esta formidável relação entre os períodos de rotação e translação também se verifica. Mas então, a que se deverá este curioso fenómeno?
  Mais uma vez a resposta está na força de gravidade. Sim, a mesma força que mantém a Lua em órbita em torno da Terra é responsável por este sincronismo! Não podemos pensar na Lua como um ponto que orbita a Terra, temos sim que ter em conta a sua forma e estrutura interna: as zonas da Lua mais próximas da Terra vão sofrer uma atracção maior que as zonas mais afastadas. A esta atracção diferencial das diferentes partes de um corpo chama-se "efeito de maré".
  O nome provém do facto deste fenómeno ser também o responsável pela existência de marés nos oceanos da Terra. Na Lua não existem oceanos mas todo o planeta sofre a acção desta força que o deforma constantemente. A consequente fricção entre as suas camadas interiores resulta em dissipação de energia interna que nos casos mais violentos pode originar vulcões (como se observa na lua joviana, Io). Aquando da sua formação, a Lua possuía um período de rotação mais curto do que actualmente. Contudo, sob a acção contínua dos efeitos de maré provocados pela presença da Terra, o seu período de rotação foi aumentando constantemente até atingir o patamar em que hoje se encontra.

A CIÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO DO CARÁCTER: HONESTIDADE CIENTÍFICA

  Nos tempos que correm assistimos ao desenvolvimento de uma sociedade ocidental que parece veicular valores materiais e superficiais acima de tudo. Mais do que o desenvolvimento da perseverança, do trabalho empenhado e dedicado, da construção sólida de um sonho ou de um projecto, persegue-se o prazer imediato (e muitas vezes efémero), a satisfação a curto prazo, a fuga de tudo o que exige um pouco mais de esforço. Uma das consequências disto é certamente o encarar da Matemática ou da Física, por parte de muitos estudantes, como sendo disciplinas horribilis, sem nunca repararem que se fizessem um esforço um pouco mais empenhado e prolongado, ultrapassariam essa primeira dificuldade, e teriam acesso a um mundo maravilhoso a que eu chamo a Ciência bonita, com todo o prazer intelectual que dele advém.
  Associado a este problema está o da honestidade científica. Infelizmente, hoje em dia ouvimos falar de investigadores que publicam resultados falsos, ou que se dizem autores de um trabalho que foi integralmente feito por outros, fazendo-se passar por aquilo que não são. Outro problema muito actual consiste no facto de alguns investigadores procurarem por todos os meios atrair a atenção dos media, recorrendo para isso a um exagero da notícia com o intuito de a tornar mais interessante para o público leigo. Estes investigadores fomentam a lógica (errada) de que só se consegue financiamento se os seus projectos forem mediáticos. Como todos sabemos, esta atitude não é consistente com a seriedade que a verdadeira Ciência requer.
  O estudo da Ciência pode trazer benefícios largos à personalidade que a ele se dedica. É conducente à honestidade e consistência de carácter, ensina a relatividade das coisas e portanto a tolerância e a aceitação de ideias novas. Contudo a natureza humana tem as suas leis. Motivado inconscientemente pela procura de aprovação por parte da sociedade, a procura de prestígio e poder pode sobrepor-se à honestidade científica e objectividade que deveria guiar todos os investigadores na sua vida profissional. Ainda assim, acredito que a contemplação das leis do Universo, o estudo da Ciência, pode ajudar a preservar uma das dádivas principais que fazem de nós seres humanos: o deslumbramento de sermos tão pequenos e efémeros num Universo que se rege por leis de grande beleza estética, e a consciência de que é um Universo que faz sentido, gostemos ou não do papel que nele desempenhamos.


João Lin Yun, Director do OAL
 

Ficha Técnica
O Observatório é uma publicação do Observatório Astronómico de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-018 Lisboa, Telefone: 213616739, Fax: 213616752; Endereço electrónico: observatorio@oal.ul.pt; Página web: http://oal.ul.pt/oobservatorio. Redacção e Edição: José Afonso, Nuno Santos, João Lin Yun, Maarten Roos-Serote, Alexandre Correia e Pedro Raposo. Composição Gráfica: Eugénia Carvalho. Impressão: Fergráfica, Artes Gráficas, SA, Av. Infante D. Henrique, 89, 1900-263 Lisboa. Tiragem: 2000 exemplares. © Observatório Astronómico de Lisboa, 1995.
A imagem de fundo da capa é cortesia do ESO.