Go backward to Tempestades em Júpiter
Go up to Top
Go forward to Para observar em Setembro

O Interior das Estrelas

Quando olhamos para uma estrela, observamos apenas a sua superfície, ou seja, a região onde é emitida a luz que chega até nós. Tudo o que está para além da superfície, isto é, o interior da estrela, não pode ser observado directamente mas apenas deduzido a partir das propriedades observadas à superfície da estrela. Este facto é verdadeiro para qualquer estrela, incluindo aquela que se encontra mais próximo de nós e que pensamos conhecer tão bem: o nosso Sol.

Como é então possível conhecer o interior das estrelas e do Sol em particular?

A forma tradicional de estudar o interior das estrelas consiste em desenvolver modelos teóricos das mesmas. Acreditando que as leis físicas são universais, ou seja, válidas em qualquer parte do Universo, constroi-se para uma dada estrela um modelo que, satisfazendo essas mesmas leis, apresenta, à superfície, as características observadas. Felizmente, a condição de satisfazer as leis físicas conhecidas e a de reproduzir, à superfície da estrela, o que dessa estrela é observado (como seja a sua temperatura, luminosidade, etc.) condiciona significativamente o modelo teórico, fazendo com que o modelo seja, em geral, bem determinado, havendo apenas lugar para dúvidas no que respeita a alguns pormenores da sua estrutura. Mais dificuldades aparecem quando apenas algumas das propriedades da superfície da estrela são conhecidas, caso em que se torna difícil determinar a estrutura da mesma.

Uma vez desenvolvido o modelo da estrela, uma questão que se põe é a da possibilidade de testar esse modelo. Como já foi referido, tais modelos não podem ser testados directamente, uma vez que não conseguimos ver o interior das estrelas. Contudo, existe hoje uma forma indirecta de testar os modelos de algumas estrelas, mais concretamente das chamadas estrelas variáveis. As estrelas variáveis são estrelas que se expandem e contraem de uma forma normalmente periódica. Como consequência dessa expansão e contracção, o brilho da estrela varia, podendo essa variação ser observada por nós. Um exemplo de uma estrela que mostra tais variações de brilho é o Sol.

A origem da expansão e contracção de uma grande parte destas estrelas está na presença de ondas sonoras (ou acústicas) que se propagam pelo seu interior. Da mesma forma que ao falarmos produzimos perturbações no ar à nossa volta (comprimindo e expandindo o mesmo), e da mesma forma que essas perturbações se propagam com uma dada velocidade, designada por velocidade do som, permitindo que outras pessoas ouçam o que estamos a dizer, também no Sol e noutras estrelas variáveis são geradas ondas acústicas que se propagam por todo o seu interior.

A importância do estudo das ondas acústicas observadas em algumas estrelas reside no facto dessas ondas serem portadoras de informação respeitante ao interior dessas mesmas estrelas. É fácil imaginar que, dependendo da densidade e da pressão da estrela em cada ponto do seu interior, a velocidade de propagação da onda será diferente. Assim, o tempo que uma onda demora a propagar-se desde a superfície da estrela até ao seu núcleo e a voltar novamente à superfície depende da estrutura da mesma, pelo que, se pudermos determinar o tempo que a onda demora a realizar tal 'viagem' podemos aprender qualquer coisa acerca da densidade e da pressão no interior da estrela.

Na generalidade, as oscilações observadas em estrelas variáveis resultam da sobreposição de diversas ondas acústicas com diferentes períodos, designadas por modos de oscilação. Estas ondas propagam-se pelo interior da estrela numa cavidade que se estende desde a superfície até um ponto no seu interior, no qual as mesmas são reflectidas. Ondas com períodos diferentes são reflectidas a diferentes profundidades, sendo as respectivas cavidades de propagação também elas diferentes. Assim, estudando os diversos modos de oscilação separadamente podemos obter informação acerca de zonas diferentes do interior da estrela. Naturalmente, quanto maior o número de modos de oscilação observados numa mesma estrela, mais detalhada é a informação que obtemos acerca do interior da mesma.

Como seria de esperar, devido à sua proximidade, o Sol é a estrela para a qual mais modos de oscilação foram alguma vez observados. Enquanto que em outras estrelas variáveis se conseguem distinguir uns poucos (normalmente menos de uma dezena) de modos de oscilação, no Sol é possível observar e identificar mais de um milhão de modos diferentes. Esta riqueza das observações das oscilações solares permite-nos hoje testar em detalhe os modelos teóricos do Sol, assim como determinar propriedades do mesmo.

Fig. Trajectos das ondas acústicas no interior de uma estrela.
Fig. A figura mostra a velocidade de rotação do sol. As cores estão associadas a diferentes velocidades, o vermelho representando zonas de rotação mais rápida e o azul zonas de rotação mais lenta. Como se pode verificar, enquanto a velocidade de rotação à superfície é diferencial, no interior a mesma é quase homogénea.
Doutora Margarida Cunha
Centro de Astrofísica da Universidade do Porto


Prev Up Next