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Tempestades em Júpiter

Nos últimos anos temos tido a possibilidade de observar berços de estrelas, ou seja, zonas onde estão a nascer estrelas. Encontraram-se muitas destas regiões na constelação de Orionte. Estas observações, muitas das quais foram feitas pelo Telescópio Espacial Hubble, mostram a existência de uma grande densidade de gás e poeira que está a colapsar sobre a sua própria gravidade, dando origem a uma estrela. Do material restante, que fica à volta do "recém-nascido", podem surgir planetas. Além disso, nos últimos tempos têm-se descoberto, com alguma frequência, planetas orbitando em torno de outras estrelas: os planetas extra-solares. Até agora, muitos destes planetas extra-solares são grandes, muitas vezes bem maiores que Júpiter que, em termos de tamanho, é o planeta rei do nosso próprio Sistema Solar. O estudo de Júpiter é portanto interessante, porque nos pode ensinar como se formou o nosso Sistema Solar e os sistemas estelares que estamos agora a descobrir.

Fig. A sonda Galileo a ser preparada para lançamento a bordo do Vaivém Espacial
Há dois modelos extremos propostos para explicar a formação de planetas de tipo Júpiter. Um deles considera que o planeta é formado da mesma mistura de gás que constitui o Sol ou a estrela, de maneira que a composição química da sua atmosfera será igual à do Sol ou da estrela. No outro modelo, primeiro forma-se um núcleo duro de rochedos e gelos de água (H2O), metano (CH4), e amoníaco (NH3), entre outros. Depois deste núcleo ter crescido bastante, ele vai atrair o gás que está nas suas proximidades, criando assim uma atmosfera. A composição química inicial desta atmosfera é igual à do Sol, pois o gás é o mesmo. Mas, devido ao crescimento da atmosfera, a temperatura na sua base sobe e faz com que os gelos que se encontram no núcleo sólido sublimem. Assim, a quantidade de água, metano, amoníaco e dos outros compostos aumenta relativamente às outras substâncias, enriquecendo a atmosfera nestes elementos, quando comparada com a do Sol. Resumindo, podemos dizer que, ao medir a composição química da atmosfera dos planetas gigantes e ao compará-la à do Sol, podemos ter uma ideia sobre como eles se formaram.

Fig. Impressão artística da entrada do módulo da Galileo na atmosfera de Júpiter
Agora olhemos para as observações. O que é que se conhece neste momento sobre a composição atmosférica de Júpiter, por exemplo? Até Dezembro de 1995, a única maneira de a medir era através da espectroscopia. Espectros obtidos por sondas espaciais (Voyager 1 e 2) e por telescópios terrestres mostraram, por exemplo, que o carbono, que existe principalmente sob a forma de vapor de metano (CH4), está presente numa quantidade 3 vezes superior à do Sol. Assim, também o azoto, sob a forma de vapor de amoníaco (NH3), está enriquecido na atmosfera joviana relativamente ao Sol. Em Dezembro de 1995 o módulo da sonda Galileo entrou na atmosfera de Júpiter, para fazer as primeiras medições in loco. De facto, confirmou os resultados respeitantes ao azoto e ao carbono e acrescentou, entre outras, uma medição para o enxofre, sob a forma de vapor de ácido sulfúrico (H2S), também enriquecido. Ora, neste contexto, o oxigénio, na forma de vapor de água (H2O), também deveria estar enriquecido, mas nem as medições dos espectros nem as medições in loco mostraram este efeito esperado. Antes pelo contrário: o oxigénio parecia estar muito empobrecido na atmosfera joviana relativamente à atmosfera solar.

É de tomar em conta que a atmosfera é algo de extremamente dinâmico. Aliás, na própria atmosfera terrestre sabemos que há zonas mais húmidas e zonas mais secas, e as observações da atmosfera de Júpiter têm sido dominadas pelas zonas secas (com pouco vapor de água).

No entanto, recentemente conseguiu-se identificar sítios onde o vapor de água é abundante. Isto foi possível ao combinar imagens da câmara a bordo da sonda Galileo e espectros obtidos por um outro instrumento da Galileo (Letters to Nature, vol.405, 11 de Maio de 2000, pag.158).

Fig. Relâmpagos observados nas nuvens de Júpiter (à direita), e imagens das mesmas nuvens algumas horas antes (à esquerda)
As imagens, de alta resolução espacial, mostram alguns complexos de nuvens de grande extensão vertical. Outras imagens, obtidas no lado nocturno do planeta, algumas horas depois, mostraram relâmpagos, exactamente no lugar destas nuvens. Ou seja, estas nuvens estão activas e podem ser comparadas com grandes tempestades tais como as que conhecemos na Terra. O facto destas nuvens serem muito extensas verticalmente - muito mais extensas que as nuvens que vemos no resto de Júpiter - indica igualmente que só podem ser compostas de água. Mas a confirmação definitiva veio mesmo da espectroscopia. O espectrómetro da Galileo mediu pela primeira vez valores elevados do vapor de água. Os cientistas relacionaram essas observações com uma tempestade identificada nas imagens da câmara. De facto, nestas zonas, o oxigénio (sob a forma de vapor de água) é enriquecido relativamente aos valores solares.

A dinâmica atmosférica tem muita influência sobre a distribuição espacial do vapor de água e portanto é difícil tirar conclusões sobre a quantidade média a partir das diferentes observações. No entanto, enquanto que anteriormente não havia qualquer indicação de que o oxigénio podia ser enriquecido, agora já se têm as provas de que tal acontece. Neste momento, pensa-se que a abundância de oxigénio nas camadas mais interiores e fundas da atmosfera, onde não nos é possível obter observações, seja enriquecida, e que o modelo de formação do planeta através de acreção de um núcleo sólido seja o mais próximo da realidade.

Fig. Júpiter e Io, um dos satélites galileanos, vistos pelo Telescópio Espacial Hubble
Ainda falta muito antes de entendermos como funciona a atmosfera joviana, mas o estudo das novas observações da sonda Galileo ajudaram a dar um passo em frente, e ainda há muito material para analisar. No fim deste ano a sonda Cassini passará perto de Júpiter, no seu caminho para Saturno. Aproveitar-se-á esta oportunidade para se realizarem mais observações com instrumentos parecidos aos da Galileo.

(Este trabalho está a ser desenvolvido pelo Doutor Maarten Roos Serote, investigador auxiliar no Observatório Astronómico de Lisboa e colaboradores em França, Inglaterra e nos Estados Unidos da América).

MRS



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