Editorial

A Ciência e o desenvolvimento do carácter : honestidade científica


Nos tempos que correm assistimos ao desenvolvimento de uma sociedade ocidental que parece veicular valores materiais e superficiais acima de tudo. Mais do que o desenvolvimento da perseverança, do trabalho empenhado e dedicado, da construção sólida de um sonho ou de um projecto, persegue-se o prazer imediato (e muitas vezes efémero), a satisfação a curto prazo, a fuga de tudo o que exige um pouco mais de esforço. Uma das consequências disto é certamente o encarar da Matemática ou da Física, por parte de muitos estudantes, como sendo disciplinas horribilis, sem repararem nunca que se fizessem um esforço um pouco mais empenhado e prolongado, ultrapassariam essa primeira dificuldade, e teriam acesso a um mundo maravilhoso a que eu chamo a Ciência bonita, com todo o prazer intelectual que dele advém.

Associado a este problema está o da honestidade científica. Infelizmente, hoje em dia ouvimos falar de investigadores que publicam resultados falsos, ou que se dizem autores de um trabalho que foi integralmente feito por outros e que tentam passar por aquilo que não são. Outro problema muito actual consiste no facto de alguns investigadores procurarem por todos os meios atrair a atenção dos media, recorrendo para isso a um exagero da noticia com o intuito de a tornar mais interessante para o público leigo. Estes investigadores fomentam a lógica (errada) de que só se consegue financiamento se os seus projectos são mediáticos. Como todos sabemos, esta atitude não é consistente com a seriedade que a verdadeira Ciência requer.

O estudo da Ciência pode trazer benefícios largos à personalidade que a ele se dedica. É conducente à honestidade e consistência de carácter, ensina a relatividade das coisas e portanto a tolerância e a aceitação de ideias novas. Contudo a natureza humana tem as suas leis. Motivado inconscientemente pela procura de aprovação por parte da sociedade, a procura de prestígio e poder pode sobrepor-se à honestidade científica e objectividade que deveria guiar todos os investigadores na sua vida profissional. Ainda assim, acredito que a contemplação das leis do Universo, o estudo da Ciência, pode ajudar a preservar uma das dádivas principais que fazem de nós seres humanos: o deslumbramento de sermos tão pequenos e efémeros num universo que se rege por leis de grande beleza estética, e a consciência de que é um universo que faz sentido, gostemos ou não do papel que nele desempenhamos.


João Lin Yun, Director do OAL

Novembro 2003