Página - 1* Um planeta extra-solar, uma visão distante mas tão familiar 2* Prémio Nobel para a Astrofísica
* Agenda
3* A estrela, a anã e o planeta
* A formação de uma galáxia
4 5* Auroras 6* Para Observar em Novembro
  VISIBILIDADE DOS PLANETAS
  Alguns Fenómenos Astronómicos
  Fases da Lua
* Astro Sudoku
7* O Céu de Novembro
* Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas
(Versão do Boletim em PDF)

Catástrofes cósmicas - O perigo do que não vemos

Nos últimos anos temos vindo a perceber a importância do equilíbrio frágil em que a Terra se encontra. A Natureza encarregou-se de fazer com que todos os elementos se conjugassem de uma forma harmoniosa e adequada para o desenvolvimento da vida. Podemos hoje pôr em evidência a forma como os fenómenos terrestres estão interligados, e que é esta ligação que conduz a um ambiente protector, que permite a existência de vida no nosso pequeno planeta. Os mecanismos que regulam este equilíbrio revelam-se não apenas nos ciclos quotidianos que observamos, mas também noutros que não conseguimos observar tão directamente.

Começa a existir uma consciência crescente de que todos os actos irreflectidos perante o meio ambiente que nos suporta têm uma consequência nefasta não só directamente nos seres vivos mas também no próprio suporte da vida, a Terra. Contudo, ainda que possamos optar por salvaguardar a nossa casa, quando a Natureza segue o seu percurso natural, existem fenómenos naturais perante os quais, apesar do enorme avanço intelectual e tecnológico que conseguimos efectuar nos últimos 100 anos, nada podemos fazer. Referimo-nos a ameaças ou catástrofes cósmicas!

Os eventos mais poderosos do Universo

Tal como tudo no Universo, uma estrela possui um ciclo de vida; nascimento, adolescência, vida adulta e por fim, inevitavelmente a morte. Com tempos de vida que vão desde muitos milhões de anos até vários milhares de milhões de anos, a morte de uma estrela é anunciada quando esta deixa de ter hidrogénio para alimentar as reacções nucleares que ocorrem no seu interior e que fazem delas objectos tão poderosos. Quando uma estrela morre, os átomos de hidrogénio, de hélio e de outros elementos podem tornar-se parte integrante da formação de novas estrelas. Quando uma estrela de grande massa chega ao final da sua vida dá origem a elementos pesados como o ferro e carbono que por sua vez têm um papel fundamental no nascimento de planetas e dos seres vivos que neles possam habitar. Este processo traduz-se numa reciclagem a nível cósmico, onde nada se perde, onde tudo está interligado de forma a que o fim de um evento seja o início de outro.

Um dos remanescentes mais conhecidos de uma supernova, a Nebulosa do Caranguejo. A explosão desta estrela ocorreu em 1054 e foi registada por astrónomos chineses. Cortesia: NASA, ESA, J. Hester e A. Loll (Universidade do Arizona).

O tempo de vida de uma estrela e a forma como esta morre está directamente associada à sua massa. A morte de uma estrela, com uma massa entre 1 e 8 massas solares, como é o caso do Sol, é um evento relativamente calmo e pacífico, no qual o objecto inicial se transforma num outro (através de processos e fases intermediárias) a que damos o nome de anã branca. No entanto poderá dizer-se o mesmo de uma estrela de grande massa?

Após consumir todo o seu combustível, uma estrela de grande massa termina a sua vida num evento cataclísmico onde o seu núcleo colapsa e a maioria da sua matéria é ejectada para o Espaço a velocidades colossais. Este acontecimento, um dos mais violentos e espectaculares de todo o Universo, é designado por Supernova (Tipo II). Durante esta explosão é libertada quase instantaneamente uma quantidade enorme de energia, 100 vezes maior que toda a energia que o Sol tem vindo a libertar desde a sua formação há 4,6 mil milhões de anos atrás. Pode então verificar-se um aumento exponencial do brilho da estrela, que pode perdurar por dias ou até meses e chega a ser superior ao brilho combinado de todas as estrelas de uma galáxia.

Porém, existe outro tipo de supernovas (Tipo Ia) que ocorrem devido a um processo totalmente diferente do descrito anteriormente. Uma supernova de Tipo Ia ocorre em sistemas binários em que está presente uma anã branca. Este objecto, altamente denso, possui uma força gravitacional intensa e no caso de se encontrar suficientemente perto da sua estrela companheira, acaba por "roubar" matéria a esta, adicionando-a a si. Esta adição de matéria na anã branca origina um aumento de massa que, ao atingir um certo limite acaba por fazer com que este objecto compacto se desintegre de uma forma catastrófica originando assim uma supernova de Tipo Ia.

É difícil imaginar algo tão poderoso como uma supernova, no entanto existe um outro fenómeno que embora menos compreendido possui o brilho extremo de biliões de "Sóis"- as explosões de raios-gama (ERG). Há várias décadas que os astrónomos sabem da existência de dois tipos de ERGs: as de longa duração, que duram algumas dezenas ou centenas de segundos, e as de pequena duração, que duram entre uns poucos milisegundos a um segundo. Na última década, investigações intensas mostraram que as explosões de longa duração são o "grito" de morte de estrelas de grande massa em jovens galáxias distantes. Embora não se saiba muito bem a origem das explosões de curta duração, pensa-se que estas são o produto final de uma classe de estrelas binárias composta por duas estrelas de neutrões velhas, ou uma estrela de neutrões e um buraco negro, que se aproximam lentamente um do outro à medida que as suas órbitas diminuem ao longo de centenas de milhões de anos. Eventualmente os objectos ficarão tão próximo um do outro, que se desfazem numa explosão inimaginável.

Radiação e raios cósmicos

Imagem de uma molécula de DNA. A radiação e raios cósmicos são capazes de danificar estes "tijolos" da vida. Cortesia: Accelrys,www.accelrys.com.

No nosso dia a dia estamos constantemente imersos em radiação de origem artificial e natural. Cerca de 15% de toda a radiação com que convivemos provem de fontes artificiais como os aparelhos de raios-X utilizados frequentemente em medicina. Os outros 85% provêm de fontes naturais, seja no interior do nosso planeta, como é o caso do urânio das centrais nucleares e do potássio que consumimos habitualmente na nossa alimentação, ou no exterior do nosso planeta. Todos os dias chega até nós, num largo espectro de energias, radiação proveniente do Espaço. Esta radiação, de fontes variadas como estrelas, supernovas e explosões de raios-gama varia entre as pouco energéticas ondas de rádio e infravermelhos e os mais perigosos ultravioletas e raios-gama. Quanto mais energética a radiação, maior é o perigo que esta representa para um organismo biológico. Para além da radiação, existe um outro tipo de perigo para qualquer ser vivo: os raios cósmicos. Formados por fluxos de partículas, os raios cósmicos são constituídos principalmente por protões que viajam a velocidades da ordem de 90% da velocidade da luz, e por outras partículas, nomeadamente partículas alfa (núcleos de hélio) e uma pequena porção de núcleos de outros átomos leves. Embora ainda em estudo, acredita-se que estas partículas possam representar um risco potencial para tecidos biológicos danificando directamente o ADN das células.

Sabe-se que as supernovas e as explosões de raios-gama, para além de emitirem fotões altamente energéticos (i.e. radiação gama, ultravioleta, raios-X), aceleram também raios cósmicos tornando-os extremamente energéticos e consequentemente perigosos.

A atmosfera da Terra

O nosso planeta possui as condições ideais à formação da vida como a conhecemos. A distância a que se encontra do Sol, a sua massa e a sua composição são exemplos de um conjunto mais vasto de factores que se conjugaram para que o nosso planeta esteja repleto de vida. Todos os seres vivos possuem mecanismos de defesa e adaptação ao seu meio ambiente. Pensando na Terra não como um ser vivo mas sim como um suporte de vida, podemos facilmente concluir que para o fazer tem de possuir também defesas contra o meio externo- o Universo. A primeira e mais eficaz defesa de todas é a sua atmosfera. A atmosfera da Terra é um escudo perfeito tanto contra colisões de objectos com o nosso planeta como contra uma variedade de tipos de radiação e partículas cósmicas nocivas aos seres que a habitam. Constituída por várias camadas, cada uma com a sua densidade, temperatura e outras características, a atmosfera é constituída por 77% de azoto, 21% de oxigénio e 2% de outros gases, nos quais estão incluídos o dióxido de carbono e o ozono.

A cerca de 20-30 km acima da superfície terrestre, numa camada da atmosfera designada por estratosfera, o azoto molecular aí presente absorve os perigosos raios-X e raios-gama, não permitindo que estes atinjam a sua superfície. Certamente que todos já ouvimos falar acerca da crescente preocupação com a redução da camada de ozono. Esta preocupação advém do facto de esta camada ser uma das barreiras que possuímos contra a radiação ultravioleta nociva que tem origem no Sol e em outros objectos exteriores ao nosso planeta. Sem a camada de ozono, os raios ultravioleta facilmente chegam até nós, aumentando os casos de cancro assim como um número crescente de doenças.

Extinções na Terra

Ilustração artística dos efeitos de uma explosão próxima de raios-gama a atingir a Terra. Cortesia: NASA.

Existem teorias que defendem que algumas das extinções em massa ocorridas na Terra terão sido consequência de eventos como supernovas ou explosões de raios gama que ocorreram relativamente próximos da Terra. Esta proximidade levaria a que a nossa atmosfera sofresse uma incidência de um fluxo intenso de radiação altamente energética.

A pergunta que terá mais lógica colocar a esta altura é: se a atmosfera da Terra nos protege contra a radiação nociva, qual o perigo que esta representa? É um facto que a radiação energética proveniente de uma supernova ou explosão de raios-gama, relativamente próxima, seria absorvida pelas moléculas de azoto na atmosfera. O problema reside no facto de que após esta absorção, as moléculas de azoto ficariam ionizadas e mais tarde combinar-se-iam com as moléculas de oxigénio para formarem óxido nítrico e outros compostos de azoto. Estas novas moléculas actuam como catalisadores para a destruição do ozono, o qual sabemos ser essencial para impedir os raios ultravioletas de chegarem até nós. Estudos mostram que estes novos compostos de azoto demorariam uma ou duas décadas a serem destruídos, o que faria com que o nosso planeta ficasse, durante esse período de tempo, imerso em radiação ultravioleta. Isto acabaria por destruir inevitavelmente a maioria das formas de vida à face da Terra.

Juntamente com a radiação, seríamos também bombardeados por raios cósmicos. Quando um raio cósmico colide com o núcleo de uma molécula de azoto ou de oxigénio da atmosfera terrestre, é produzida uma partícula altamente energética, com aproximadamente 270 vezes a massa de um electrão, a que se dá o nome de pião. Esta partícula acaba por decair e originar electrões, muões e neutrinos, partículas sub-atómicas que vão acabar por bombardear a superfície terrestre, juntamente com radiação gama que acompanha este decaimento.

Embora todos os dias estejamos expostos aos raios cósmicos, o nível e a intensidade com que estes chegam à superfície da Terra é diminuto. No entanto, se uma supernova ou explosão de raios-gama ocorresse perto da Terra, a exposição a estas partículas nocivas aumentaria exponencialmente, aumentando também o risco

Embora deparados com esta realidade, a de uma possível catástrofe, existe uma outra que se torna a cada dia uma certeza. Não será necessário um evento tão dramático para mudar a vida à face da Terra, quando no fundo ela já está a ser mudada. Não pelos processos mais poderosos em todo o Universo, mas sim pela mão humana. A questão é se estaremos um dia sujeitos a todos estes perigos devido a algo que não podemos controlar, ou devido à pura e simples negligência dos seres humanos, incapazes de tomar bem conta da sua "casa": a Terra, até agora o único planeta que temos a certeza de albergar vida.


João Retre
OAL
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