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Rádio-Astronomia

  Introdução : Ondas electromagnéticas

  - A luz, veículo de informação astronómica

O conjunto de telescópios ALMA (desenho) em construção no deserto do Atacama, Chile.Cortesia ESO.

  As ciências da Natureza são normalmente ciências experimentais. A Astronomia distingue-se das restantes pela quase impossibilidade de montarmos uma experiência laboratorial para investigarmos os objectos celestes. Dadas as distâncias astronómicas que deles nos separam, não podemos deslocarmo-nos até aos objectos celestes para recolher informação. Por esta razão a quase totalidade da informação astronómica que possuímos é extraída da luz que nos chega dos objectos celestes que desejamos estudar.
  Ora a luz é radiação (onda) electromagnética. Como onda que é caracteriza-se por um comprimento-de-onda (c.d.o.). O conjunto da radiação electromagnética de todos os comprimentos-de-onda constitui o espectro electromagnético. "Luzes" de diferentes c.d.o. têm propriedades diferentes, ao ponto de não lhe chamarmos "luz" no sentido corrente. Mas as ondas de rádio e os raios-X são também luz (radiação electromagnética), apesar dos nossos olhos não os detectarem (luz invisível).

  - Detecção de luz: interacção com a matéria

  Luz (ou radiação) de diferentes c.d.o. possui diferentes energias e diferentes propriedades de interacção com a matéria. A detecção da radiação é feita com base nesta interacção. Por exemplo, a detecção da luz visível pode fazer-se na retina do olho, a detecção de radiação infravermelha pode ser feita com a pele (calor), a luz ultravioleta com uma célula foto-eléctrica (efeito de ejecção de electrões de um metal iluminado). As ondas de rádio são detectadas com antenas, a passagem da onda induz uma oscilação de electrões, a qual constitui uma corrente eléctrica ou voltagem. A detecção da luz faz-se, por exemplo, por efeito foto-químico (como numa fotografia convencional), foto-eléctrico, ou no caso das ondas de rádio por transformação da energia da onda numa corrente eléctrica.

  - Produção de luz

Galáxia activa Cygnus A com os seus lóbulos extensos de emissão em rádio-frequência. A galáxia vista em luz visível é o ponto central! Cortesia NRAO/AUI.

  Existem vários processos físicos de produção de luz. Um deles é a radiação térmica, emitida por todos os corpos pelo simples facto de a sua temperatura ser diferente do zero absoluto. Exemplos de corpos que emitem radiação térmica são as estrelas e as regiões HII (região de gás hidrogénio ionizado). Outro processo de produção de radiação são os processos ditos não-térmicos. Exemplos de corpos que emitem radiação não-térmica são as remanescentes de supernova e os núcleos galácticos activos.

  História: os primeiros passos

  Em 1930, Karl Jansky, um engenheiro de telecomunicações americano faz uma descoberta inesperada. Utilizando uma antena por ele construída, e enquanto procurava fontes de emissão rádio que pudessem provocar interferências, descobriu a primeira fonte de emissão rádio com origem extra-terrestre. Tratava-se de emissão proveniente do centro da Galáxia.
  Não sendo um astrónomo, Jansky não investigou mais o assunto. Coube a Grote Reber, um engenheiro e astrónomo amador americano, a continuação da pesquisa sobre fontes de rádio no céu. Reber construiu a primeira antena parabólica com 10 metros e com ela obteve os primeiros mapas de emissão de fontes de rádio celestes. Um dos seus primeiros mapas, no c.d.o. de 1,87 m, mostrava uma fonte forte na direcção do Sagitário, "... que é a direcção do núcleo da Via Láctea". Outros máximos no seu mapa correspondiam a fontes muito pequenas mas muito intensas no "Cisne, Cassiopeia e Touro". Destes "...só o último tem uma associação com um objecto visível no óptico, a nebulosa do Caranguejo, possivelmente os restos da supernova do ano de 1054".

  Descobertas fundamentais

  Graças à Rádio-Astronomia, o conhecimento do nosso Universo é mais vasto. Sem ela, não teria sido possível a descoberta da estrutura da nossa Galáxia ou a radiação de fundo (uma relíquia da formação do Universo no Big Bang). Foi na década de 1950 que a utilização de rádio-telescópios permitiu mapear as nuvens de gás atómico galáctico e consequentemente a estrutura da Galáxia. Em 1963, Penzias e Wilson detectaram a radiação de fundo, o que viria a dar-lhes o Prémio Nobel da Física em 1978. Em 1967, foram detectados os pulsares (estrelas-de-neutrões rotativas). Esta descoberta foi premiada com o Prémio Nobel da Física em 1974. Por volta de 1970, a Rádio-Astronomia permitiu a detecção da molécula de monóxido de carbono (CO) no espaço e a possibilidade de estudo de nuvens de gás molecular: os locais de nascimento das estrelas.

  - O Meio Interestelar, as nuvens de gás, a estrutura da Galáxia

  A maior parte do gás que existe nas galáxias é invisível para telescópios ópticos... Mas pode ser visto por rádio-telescópios! A Rádio-Astronomia permitiu assim uma nova maneira de olhar e de entender o espaço interestelar. Para detectar os átomos de hidrogénio espalhados na forma de gás em nuvens difusas, usa-se o facto de que alguns destes átomos emitem ondas de rádio de comprimento-de-onda de 21 cm ao passarem para um estado de menor energia. Esta emissão permite pois "ver" as nuvens de gás e consequentemente mapear a estrutura da Galáxia.
  Também as nuvens de moléculas que existem na Galáxia são vistas através da sua emissão de ondas de rádio no domínio das micro-ondas. Isto revela-se crucial pois estas nuvens moleculares são autênticos berçários de estrelas, o seu local de nascimento.

  - A Radiação de Fundo

  Arno Penzias & Robert Wilson (físicos da Bell Labs) procuravam descobrir o que provocava um ruído de fundo que interferia com o desenvolvimento das transmissões com satélites.
  Para onde quer que apontassem as antenas a intensidade do ruído nunca se reduzia a zero (dentro das incertezas dos seus detectores), mesmo em zonas do céu que pareciam vazias. Podiam ter ignorado o problema fazendo uma re-calibração do zero, mas preferiram continuar a investigar.
  O sinal, no domínio das micro-ondas, é hoje detectado com uma precisão muito grande.
  Desde 1948 que os modelos cosmológicos do "Big Bang" desenvolvidos por Gamow previam a existência de uma radiação de fundo com a assinatura espectral de um corpo negro a uma temperatura de alguns graus Kelvin. O sinal detectado é exactamente assim! Constitui uma das evidências experimentais de que terá mesmo havido um "Big Bang".

  - Os Pulsares

Remanescente de uma supernova, Cas A, vista "na luz das ondas de rádio". Cortesia NRAO/AUI.

  Pulsares são objectos estelares dos quais recebemos pulsos de radiação. Inicialmente chamados de LGM ("Little Green Men"), veio a verificar-se serem afinal estrelas-de-neutrões rotativas.
  Esta detecção permitiu assim a confirmação da existência de estrelas-de-neutrões que tinha sido prevista em 1932 por Landau, Zwicky e Baade. A matéria nas estrelas-de-neutrões encontra-se num estado de tamanha densidade e compactação que uma colher de chá de uma estrela-de-neutrões pesa tanto quanto todos os automóveis existentes na Europa! As estrelas-de-neutrões emitem ondas de rádio em feixes estreitos. Estes "varrem" o céu à medida que a estrela roda. Os rádio-telescópios vêem-nos como pulsos de ondas.

  - No presente...

  No presente conhecem-se milhares de fontes de rádio. Na nossa Galáxia, fontes de rádio típicas são as remanescentes de supernovas, as nuvens de gás atómico e as regiões HII (de hidrogénio ionizado).
  Exemplos importantes de fontes extra-galácticas são as galáxias activas e os quasares. Já no nosso Sistema Solar temos os casos do Sol e de Júpiter.

  Rádio-Astronomia: dois modos

  Podem considerar-se dois modos de operação em Rádio-Astronomia: o modo de antena individual e o modo de interferometria (sistema de várias antenas a trabalhar em coerência). A utilização da técnica de interferometria permite melhorar a resolução angular, isto é, a capacidade de distinguir dois pontos muito próximos. Por exemplo, o olho humano tem uma resolução de cerca de 0,3 minutos-de-arco (consegue distinguir detalhes com cerca de um décimo de milímetro a 1 metro de distância).

  - Rádio-telescópios individuais

  O maior rádio-telescópio individual e que se pode mover livremente é o de Effelsberg, na Alemanha. Tem 100 m de diâmetro e pesa 3200 toneladas! O maior telescópio individual fixo, é o de Arecibo, em Puerto Rico (305 m de diâmetro). Outros rádio-telescópios de relevância são: SEST (15m, ESO, Chile), IRAM (30m, Espanha), FCRAO (14m, Massachusets, EUA), OSO (20m, Suécia).

Conjunto de 27 rádio-telescópios, VLA, em operação no Novo México, EUA. Cortesia NRAO/AUI.

  - Rádio-telescópios em grelha (Interferometria)

   Associando telescópios de modo a funcionarem como um todo (um único telescópio), através da técnica da interferometria, é possível simular uma antena com um tamanho tão grande como o do conjunto. São exemplos disso o Very Large Array (VLA) com 27 ante-nas dispostas em forma de "Y" no Novo México, EUA e o Atacama Large Millimeter Array (ALMA) com 64 antenas de 12 m de diâmetro, actual-mente em cons-trução pela Europa, EUA e Japão.

  A popularização da Rádio-Astronomia

  Apesar da imensidão de descobertas da Rádio-Astronomia, não é fácil de partilhar o interesse e o entusiasmo que elas levantam. A principal razão deste facto é que não é possível espreitar através de um rádio-telescópio! O que se obtem inicialmente são números ou espectros e é necessário acreditar que com eles se constroem imagens. Por outro lado, ao contrário dos telescópios ópticos, possuir equipamento para Rádio-Astronomia é caro e complicado. Por isso, quase não existem rádio-astrónomos amadores.


João Lin Yun
OAL
© 2004 - Observatório Astronómico de Lisboa