Desmascarando a face de Marte

Há vinte e cinco anos atrás aconteceu algo estranho em Marte. A nave espacial
Viking 1, da NASA, orbitava o planeta, fotografando possíveis locais de
aterragem para a sua "irmã gémea", a nave Viking 2, quando
detectou uma sombra semelhante a uma face humana. Era uma enorme cabeça com mais
de três quilómetros de comprimento que parecia estar a olhar para as câmaras da
Viking 1, e que se localizava numa zona de Marte a que se deu o nome de Sidónia.

Certamente ocorreu alguma surpresa entre os controladores da missão, no
Laboratório de Propulsão a Jacto, da NASA, quando se lhes deparou, nos seus
monitores, uma face em Marte. Os cientistas julgaram tratar-se de mais um
planalto marciano, relativamente comuns naquela região, que apenas teria um
conjunto pouco usual de sombras que o fariam parecer-se com um faraó egípcio.

Alguns dias mais tarde, a NASA distribuiu a imagem para que todos a pudessem
ver. A legenda que a acompanhava dizia que na fotografia se notava "uma grande
formação rochosa ... que faz lembrar uma cabeça humana... formada por sombras
que criam a ilusão de olhos, nariz e boca". Os autores pensaram que se trataria
de uma boa forma de cativar a atenção do público e atrair as atenções para o
planeta Marte. E conseguiram-no!

A "Face de Marte" tem sido, desde então, um ícone popular. Foi vedeta num filme
de Hollywood, apareceu em livros, revistas, programas de rádio - até teve
direito a surgir nos talões das grandes cadeias de armazéns durante 25 anos!
Algumas pessoas pensam que a Face de Marte é prova suficiente da existência de
vida em Marte - prova essa que a NASA estaria a ocultar, dizem os teóricos da
conspiração. Entretanto, os defensores do orçamento da NASA gostariam que
tivesse existido uma antiga civilização em Marte.

Apesar de poucos cientistas acreditarem que a Face de Marte pudesse ser obra de
uma cultura alienígena, fotografar a região de Sidónia tornou-se uma prioridade
para a NASA quando a Mars Global Surveyor (MGS) chegou ao planeta vermelho, em
Setembro de 1997, dezoito longos anos depois do fim da missão Viking. "Sentimos
que isto era muito importante para os contribuintes", explicou Jim Garvin,
cientista chefe do Programa da NASA para Exploração de Marte. "Fotografámos a
Face assim que conseguimos obter uma boa perspectiva dela".

E assim, a 5 de Abril de 1998, quando a Mars Global Surveyor sobrevoou a região
de Sidónia pela primeira vez, Michael Malin e a sua equipa da Câmara Orbital de
Marte, obtiveram uma fotografia dez vezes mais perfeita que os originais da
Viking 1. Milhares de ansiosos navegadores da Internet esperavam por esta imagem
quando ela surgiu pela primeira vez num "site" do Laboratório de Propulsão a
Jacto da NASA, revelando ... uma formação geológica natural. Afinal não existia
nenhum monumento extraterrestre.

Mas nem toda a gente ficou satisfeita. A Face de Marte localiza-se a 41 graus
Norte de latitude marciana, onde decorria o Inverno marciano, em Abril de 1998,
uma época do ano em que o céu de Marte está frequentemente nublado. A câmara a
bordo da MGS teve de atravessar uma ligeira camada de nuvens para "ver" a Face
de Marte. Talvez, disseram os cépticos, as marcas alienígenas estivessem ocultas
pela bruma.

Os controladores da missão prepararam-se então para olhar de novo. "Não é fácil
fotografar essa região" disse Garvin. "De facto é até bastante difícil". A MGS é
uma nave de mapeamento que, habitualmente, observa o que se passa exactamente
abaixo de si e examina o planeta como uma máquina de fax em faixas estreitas de
2,5 quilómetros. "Nós não costumamos passar sobre a Face de Marte muitas vezes",
acrescentou.

Apesar disso, em 8 de Abril de 2001, um dia de Verão sem nuvens em Sidónia, a
MGS passou suficientemente perto para obter uma segunda imagem. "Tivemos de
rolar a nave cerca de 25 graus para centrar a Face de Marte no seu campo de
visão", segundo Garvin. "A equipa de Malin obteve uma fotografia extraordinária
utilizando a máxima resolução da câmara fotográfica". Cada pixel na imagem de
2001 representa 1,56 metros, comparando com os 43 metros por pixel da melhor
imagem obtida pela Viking em 1976.

"Em regra podemos discernir numa imagem digital objectos 3 vezes maiores que o
tamanho do pixel", acrescentou. "Portanto, se existissem objectos nesta
fotografia como aviões no solo ou pirâmides do tipo das egípcias, ou até mesmo
pequenas cabanas, teríamos podido ver do que se tratava!".

O que a imagem mostra na realidade é o equivalente a um planalto terrestre,
formação geológica muito comum no Oeste dos Estados Unidos. "Trata-se de uma
cúpula de lava que toma a forma de um planalto isolado (mesa) aproximadamente da
mesma altura que a Face de Marte".

A região de Sidónia está cheia de formações semelhantes à Face de Marte, só que
as outras não se parecem com cabeças humanas e atraíram pouca atenção popular.
Garvin e outros membros da equipa científica da missão MGS estudaram-nas
cuidadosamente, no entanto, utilizando um altímetro de laser chamado MOLA a
bordo da Mars Global Surveyor.

Este aparelho pode medir a altura de objectos com uma precisão vertical de 20 a
30 centímetros (a sua resolução horizontal é de 150 metros). " Efectuámos
centenas de medições de altitude das formações existentes na região de Sidónia",
disse Garvin, "incluindo a Face de Marte. A sua altura, o seu volume e as suas
proporções - todas as suas dimensões, de facto - são similares às restantes
formações geológicas daquela região. Não é exótica de qualquer maneira".

Os dados obtidos pelo altímetro laser são talvez até mais convincentes que as
fotografias no sentido de a Face de Marte ser uma formação natural. Mapas de
elevação em 3D revelam a formação de qualquer ângulo, inalterada pela luz e
pelas sombras. Não existem quaisquer olhos, nem nariz, nem boca!

Os planaltos da região de Sidónia são de grande interesse para os geólogos
planetários porque se encontram numa parte curiosa de Marte, numa zona de
transição entre as montanhas pejadas de crateras a Sul e as planícies mais
suaves a Norte. Alguns cientistas pensam que as planícies do Norte são tudo o
que resta de um antigo oceano marciano. Se assim for, a região de Sidónia poderá
ter sido um dia uma zona costeira.

"Os advogados do oceano dizem que estes planaltos são exactamente o que
esperaríamos ver à beira da água.. isto é, pedaços de terra isolados e
erodidos", diz Garvin. "Mas há muitas possibilidades". Os planaltos poderão ter
sido escavadas por glaciares, ou por ventos e pela água, ou simplesmente terem
sido empurrados para cima pela tectónica vertical de Marte. "Simplesmente não
sabemos".

Talvez a melhor forma de desvendar o mistério fosse enviar um geólogo para
investigar no local. E Garvin, um trepador entusiástico, não se importaria de ir
ele próprio. "A vista lá de cima deve ser espectacular", disse ele. "Para o Sul,
o solo deve elevar-se, em direcção às montanhas. Para o Norte, o terreno deve
descer em direcção às planícies. Ao olharmos em redor deparamos com uma paisagem
árida cheia de planaltos e de crateras de impacto", uma mistura curiosa entre o
bizarro e o familiar.

"Marte é um local especial, que nos faz lembrar a nossa casa, o planeta
Terra ... um dia acabaremos por ir mesmo lá", diz Garvin. É por isso que a Face
de Marte tem sido tão popular: reforça essa ligação. Mas mesmo sem monumentos
extraterrestres, os futuros exploradores de Marte terão muito para fazer. Trepar
aos planaltos da região de Sidónia, se for por aí que vamos começar, será apenas
o princípio.