"ERUPÇÃO" DE UMA GALÁXIA DEIXA OS CIENTISTAS PERPLEXOS
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Corria o ano de 1997 quando, durante uma semana, uma galáxia
minúscula, localizada entre os ombros de Hércules, se tornou num
verdadeiro monstro. "Antes era apenas uma galáxia banal", diz Heinz
Vslk, que assistiu ao desenrolar da acção no observatório astronómico
da ilha de La Palma, nas Canárias, Espanha. "Mas, subitamente,
tornou-se na fonte mais poderosa que alguma vez observáramos."

Esta "erupção" da galáxia Markarian 501 deixou os cientistas
verdadeiramente perplexos. Os fotões mais energéticos emitidos durante
a explosão tinham uma energia triliões de vezes superior à de um fotão
visível e, de acordo com as leis da física como nós as conhecemos,
nunca deveriam ter conseguido fazer a longa viagem desde essa galáxia
até à Terra. Supostamente, deveriam ter sido destruídos pelo mar de
radiações infravermelhas que "povoa" o espaço interestelar.

Então, o que é que se passou? Alguns físicos pensam que algo de
bizarro se está a passar no interior da galáxia Markarian 501: feixes
de fotões estão a unir-se em "globos" exóticos a que se dá o nome de
condensações de Bose-Einstein. Outros dizem que há uma explicação
bastante simples à qual chegarão após se debruçarem um pouco mais
sobre os factos e os números. Mas alguns cientistas pensam que
Markarian 501 nos está a dizer algo de muito importante. Poderá, dizem
eles, ficar na História como a chave da grande revolução científica do
século XXI: uma teoria que finalmente unifique a mecânica quântica e a
teoria da gravidade de Einstein. Esta galáxia tornar-se-ia então numa
porta de entrada para um reino escondido da Natureza onde o espaço e o
tempo são radicalmente transformados.

Markarian 501 não é uma galáxia desconhecida para os
astrónomos. Aparece em imagens da constelação do Hércules há, pelo
menos, um século, e o seu nome provém de Beniamin Markarian, um
astrónomo georgiano do Observatório Astrofísico de Byurakan, na
Arménia, que iniciou a compilação de um catálogo de centenas de
galáxias azuis durante a década de 1960.

Os números 501 e 421 do seu catálogo são especiais. Num raio de
cerca de 300 milhões de anos-luz à volta da Terra, são os dois
exemplos mais próximos de nós de um tipo raro e estranho de objectos
astronómicos conhecidos pelo nome de blazares. Tal como os outros
tipos de galáxias activas (os quasares e as rádio-galáxias), pensa-se
que os blazares tenham a sua fonte de energia num buraco negro central
que se alimenta do gás, poeira e estrelas que giram à sua volta num
disco quente. Nos pólos do buraco negro, dois jactos de protões e
electrões energéticos são disparados até distâncias da ordem dos
milhões de anos-luz.

Os blazares são "caprichosos", aumentando e diminuindo de
intensidade de brilho em apenas alguns dias. Os astrónomos pensam que
isto se deve à sua orientação. Vemos uma galáxia activa como um blazar
se um dos seus jactos estiver apontado na nossa direcção, como se
estivéssemos a olhar para dentro do cano de uma espingarda. O jacto
envia um estreito feixe de radiação, cujo brilho pode mudar
rapidamente caso ele se desvie ligeiramente ou se o seu fornecimento
de material a partir do buraco negro se alterar.

Este alinhamento especial significa também que somos assolados por
radiação altamente energética.

Em 1992, o observatório orbital de raios gama COMPTON detectou
raios gama de alta energia provenientes da galáxia Markarian 421. Os
astrofísicos pensam que eles são criados no interior do jacto por
partículas super rápidas. À medida que os protões e electrões
espiralam à volta dos fortes campos magnéticos do jacto, emitem
radiação muito poderosa. Poderiam também estar a colidir com fotões
vulgares, aumentando-lhes fortemente a energia.

Mas foi apenas em Março de 1997 que os astrónomos puderam apreciar
o que um blazar pode fazer quando realmente "flecte os seus
músculos". Assistiram verdadeiramente atónitos quando Markarian 501
deixou de ser uma discreta e quase insignificante fonte de raios gama
para se tornar na fonte mais poderosa jamais observada, ultrapassando
mesmo a Nebulosa do Caranguejo - os despojos deixados por uma
supernova na nossa vizinhança galáctica, e que é a maior fonte
permanente de raios gama conhecida no céu.

A "erupção" durou vários meses e, no seu pico, Markarian 501 era
dez vezes mais brilhante que a Nebulosa do Caranguejo, apesar de se
encontrar a uma distância 50 000 vezes superior!

Vslk, director do Instituto Max Planck de Física Nuclear, em
Heidelberg, na Alemanha, é o porta-voz de uma experiência chamada
HEGRA (sigla inglesa para Astronomia de Raios Gama de Alta Energia),
que tem mantido uma apertada vigilância sobre a "tempestade" de
Markarian 501, a partir do observatório de La Palma. Quando um raio
gama de alta energia atinge as camadas superiores da atmosfera
terrestre dá origem a uma autêntica "chuva" de partículas sub-atómicas
super rápidas. Estas emitem luz, numa espécie de "faíscas": é a chamada
radiação de Cerenkov.

Durante a "erupção" da Markarian 501, os seis espelhos da
experiência HEGRA observaram uma abundante quantidade de raios azuis
deste tipo de radiação, extremamente brilhantes. Estes indicavam que
alguns dos raios gama provenientes daquela galáxia tinham uma energia
biliões de vezes superior à de um fotão de luz visível.

O que é difícil de explicar é como é que estes raios gama
atingiram a Terra. Quando um raio gama de alta energia colide com um
fotão infravermelho, os dois têm energia suficiente para se
transformarem num electrão e num positrão (anti-electrão). Por isso,
os raios gama deveriam ir desaparecendo à medida que atravessavam o
mar de fotões infravermelhos que "povoa" o espaço interestelar,
emitidos por estrelas em formação e pela poeira quente.

A distância a que os raios gama de alta energia conseguem chegar
depende do número de fotões do infravermelho longínquo que encontram
pelo caminho. Nos dois últimos anos, diversas equipas de cientistas
têm pesquisado imagens do satélite COBE da NASA e do observatório
espacial infravermelho ISO da Agência Espacial Europeia (ESA), e usado
alguns novos métodos matemáticos para conseguirem subtrair a radiação
infravermelha com origem no nosso Sistema Solar e na Via Láctea aos
dados originais. O resultado, que consiste na radiação de fundo de
infravermelhos longínquos que preenche o Universo, é ainda uma
radiação tão intensa que os fotões com valores de energia que foram
medidos pelo HEGRA não deveriam nunca atingir o nosso planeta, se
emitidos a partir de uma galáxia tão distante como a Markarian
501. Então porque é que nós os observámos?

Peter Biermann e os seus colegas astrofísicos do Instituto Max
Planck de Rádio Astronomia, em Bona, na Alemanha, pensam que a
explicação talvez não seja óbvia e sugerem que vários raios gama da
Markarian 501 se possam estar a fundir numa condensação de
Bose-Einstein, um globo denso de fotões de energia mais baixa.

Isto deveria ocorrer com a luz num feixe laser super eficiente,
bem mais eficiente que qualquer laser que já tenha sido construído na
Terra. A Natureza produz lasers: em muitas galáxias activas, os
raios-X fazem com que as nuvens de vapor de água emitam luz laser de
microondas: são os chamados masers. Mas será que um laser de energia
extremamente alta, natural e super eficiente é plausível? Biermann
afirma que tal é concebível se um grupo de átomos excitados num jacto
de um blazar emitir luz simultaneamente.

Admitamos que o blazar disparou um condensado de 20 raios gama
idênticos, cada um deles com uma energia alta mas não desmesurada. Os
fotões de cada um dos raios considerados terão então uma energia
relativamente menor, pelo que é razoável pensar que conseguem passar
incólumes pela radiação de fundo de infravermelhos. Ao chegarem, em
conjunto, à superfície terrestre, descrregariam a energia total
detectada pelo HEGRA, tal como se se tratasse de um único raio gama
extraordinariamente energético.

Os cientistas estão agora a olhar de uma forma diferente para os
resultados da experiência HEGRA para testarem esta ideia. Estão à
procura de uma diferença subtil entre os "chuveiros atmosféricos" que
um fotão de alta energia produziria e os que seriam produzidos por uma
"bola" de raios menos energéticos. Apesar de ambos terem a mesma
energia total, um fotão solitário de alta energia daria origem a uma
"chuva" com características diferentes (mais estreita e mais caótica).

Se bem que lasers naturais de raios gama podem parecer uma
explicação remota, existe ainda uma outra explicação que seria bem
mais importante e monumental...



Primeira parte de uma notícia adaptada a partir de um artigo
publicado pela revista inglesa New Scientist e que poderá ser
consultado no endereço:
http://www.newscientist.com