SUPERNOVA DEIXA UM OBJECTO MISTERIOSO RESIDUAL

Com o auxílio do telescópio espacial XMM-Newton da ESA, uma equipa de
cientistas, ao observar mais de perto um objecto, descobriu que ele não se
assemelha a nenhum outro conhecido na nossa galáxia.

Descoberto há mais de 25 anos atrás, este objecto encontra-se no coração dos
despojos da supernova designada por RCW103. Estes despojos gasosos são o
resultado de uma estrela que explodiu há cerca de 2000 anos atrás. Constitui um
exemplo quase perfeito daquilo que a teoria prevê que resta quando ocorre uma
supernova: uma "bolha" de material ejectado e uma estrela-de-neutrões residual.

Para ver uma imagem, obtida com o telescópio espacial XMM-Newton, da RCW103,
consulte:
http://www.oal.ul.pt/astronovas/estrelas/super.jpg

Podemos observar um pequeno ponto azul (o objecto residual) no centro da bolha
de gás ejectado na explosão da supernova.

Como resultado de uma observação profunda e contínua durante 24,5 horas, a
equipa de cientistas descobriu algo mais complexo e intrigante: a emissão
proveniente da fonte central varia ao longo de um ciclo que se repete a cada 6,7
horas. Este período é espantosamente grande, sendo dezenas de milhares de vezes
mais longo do que aquilo que se espera para uma estrela-de-neutrões jovem.
Também se observou que as propriedades espectrais e temporais do objecto em
estudo diferiam de uma outra observação realizada a este mesmo objecto em 2001.

Esta variabilidade pode ser vista em:
http://www.oal.ul.pt/astronovas/estrelas/super2.jpg

O comportamento que é observado tornou-se um quebra-cabeças para os cientistas
dada a tenra idade do objecto, menos de 2000 anos (embora seja o remanescente de
uma estrela com vários milhões de anos). Durante anos, sempre se teve a noção
de que este objecto era diferente, mas nunca se soube o quanto até agora.

O objecto, designado 1E161348-5055, ou mais concisamente 1E, encontra-se
sensivelmente no centro geométrico da RCW103, a cerca de 10 mil anos-luz na
constelação Norma. O alinhamento quase perfeito do 1E no centro da supernova
deixa os astrónomos confiantes de que os dois objectos terão nascido no mesmo
evento catastrófico.

Quando o "combustível" de uma estrela com pelo menos oito massas solares se
esgota, esta explode num evento designado de supernova. Neste evento o núcleo
da estrela implode, formando um objecto denso chamado de estrela-de-neutrões; se
a massa da estrela inicial for suficientemente grande forma-se um buraco negro.
Uma estrela-de-neutrões contém cerca de uma massa solar numa esfera com apenas
aproximadamente 20 quilómetros de diâmetro.

Os cientistas procuravam há anos conhecer a periodicidade da 1E de forma a
poderem aprender mais acerca das suas propriedades, tais como a sua velocidade
de rotação ou mesmo se possui um companheiro. A detecção clara do período longo
da 1E, juntamente com a variação na emissão de raios-X, faz deste objecto uma
fonte muito estranha. As propriedades observadas são estranhas para este
objecto compacto com apenas 2000 anos de idade. Estas podem ser explicadas
recorrendo a dois possíveis cenários:

1) A 1E poderá ser uma magneto-estrela isolada, uma subclasse exótica de
estrelas de neutrões altamente magnetizadas. Nestas estrelas as linhas do campo
magnético actuam como um travão da rotação da estrela, libertando energia.
Conhecem-se cerca de 12 magneto-estrelas, mas estes objectos normalmente rodam
várias vezes por minuto. Se a 1E só completa uma rotação em cada 6,67 horas, o
campo magnético necessário para ter abrandado a rotação desta estrela em apenas
2000 anos teria de ser muito grande para ser plausível. O campo magnético
padrão de uma magneto-estrela poderia servir para o efeito se um disco de
detritos, formados pelo material da estrela que explodiu, estiver também a
ajudar na desaceleração da rotação da 1E. Este cenário nunca foi observado e
caso se confirma-se indicaria um novo tipo de evolução de estrelas de neutrões.

2) Alternativamente, o período longo da 1E poderá ser o período orbital de um
sistema binário. Tal cenário requer que uma estrela normal de massa pequena
tenha conseguido arranjar maneira de ficar ligada ao objecto compacto formado
pela supernova há 2000 anos. As observações realizadas não colocam de parte a
hipótese de existir uma companheira com cerca de metade da massa do Sol, ou até
mesmo mais pequena. No entanto, a 1E seria o exemplo sem precedentes de um
sistema binário de raios-X de pouca massa, na sua infância, um milhão de vezes
mais novo que um sistema binário de raios-X padrão, possuindo companheiros de
menor massa. A pouca idade da 1E não é a sua única peculiariedade. O padrão
cíclico desta fonte é muito mais pronunciado do que aqueles observados para
dezenas de sistemas binários de raios-X, o que leva a supor que existe um
processo de "alimentação" da estrela-de-neutrões que será pouco usual.

Um processo duplo de acumulação de matéria (acreção) poderia explicar este
comportamento. O objecto compacto captura uma fracção do vento estelar da
pequena companheira e também é capaz de puxar o gás das camadas exteriores da
sua vizinha, que acabará por se aglomerar num disco de acreção. Este mecanismo,
pouco habitual, poderá estar a ocorrer numa fase inicial da vida de um sistema
binário de raios-X de pouco massa, dominado pelos efeitos da excentricidade
orbital inicial, que era esperada.

A RCW103 é um enigma. Os cientistas simplesmente não têm uma resposta
conclusiva para a causa dos ciclos longos de raios-X. Quando descobrirem a
resposta a este mistério, os cientistas poderão aprender muito mais acerca de
supernovas, estrelas-de-neutrões e suas evoluções.

Se a explosão da estrela tivesse ocorrido no céu do hemisfério Norte, a rainha
Cleopatra teria conseguido observá-la e teria com certeza sido um presságio do
seu final infeliz. No entanto, a explosão ocorreu no céu do hemisfério Sul e
ninguém a registou. No entanto, a fonte é um bom presságio para os astrónomos
de raios-X que anseiam aprender mais acerca de evolução estelar.