Eta Carinae: UMA ESTRELA DEMASIADO BRILHANTE
Nós somos feitos de poeira das estrelas. Não se trata apenas de um
mero sentimento poético mas sim de uma constatação da realidade. No
Universo jovem, constituído quase exclusivamente por hidrogénio e
hélio, a evolução normal das estrelas muito grandes em poucos milhões
de anos e a fase final da sua vida - que termina em explosões cósmicas
a que se dá o nome de supernovas - criaram todos os restantes
elementos da tabela periódica, espalhando-os um pouco por toda a
parte. Com o passar do tempo eles acabaram por se reorganizar formando
outras estrelas, planetas e sistemas solares e, eventualmente,
formando a própria vida.
Assim, num certo sentido, a necessidade que temos de compreender as
estrelas está intimamente ligada ao próprio aparecimento da vida
humana. E, neste século, graças aos avanços da óptica e da
astrofísica, os cientistas começaram, de facto, a compreender bastante
bem o ciclo de vida das estrelas. Mas algumas "excentricidades
estelares" ainda deixam os astrónomos perplexos. É o caso de Eta
Carinae que ocupa uma posição de destaque entre as estrelas
conhecidas por ser das maiores, mais vigorosas e com propriedades
mais "extremas".
Eta Carinae não é exactamente um nome que nos seja familiar. Ao
contrário da Estrela Polar ou de Sirius, ela quase só pode ser
observada no hemisfério Sul. Mas Eta Carinae tem uma grande reputação
entre os astrónomos de ambos os hemisférios. É enorme: uma
supergigante com cerca de 640 milhões de quilómetros de diâmetro. Se a
colocássemos na posição do Sol, engoliria todos os planetas até à
órbita de Marte! Está perto de nós, a uns meros 7.500 anos-luz, num
braço espiral da nossa galáxia, a Via Láctea. É pesada: provavelmente
a estrela mais maciça de todo o Universo conhecido, com cerca de 100
vezes a massa do Sol. E é extremamente brilhante.
"É como se fosse o Livro de Recordes Guiness das estrelas", afirma
Kris Davidson, um astrónomo da Universidade do Minnesota. "E, de cada vez
que pensamos que sabemos o que se está a passar, vimos a descobrir
que, afinal, estávamos errados".
Davidson passou mais de duas décadas a estudar Eta Carinae, na
esperança de observar uma das mudanças de luminosidade que se prevê
que ocorram nas fases terminais de crescimento deste tipo de estrela
rara e maciça. Ao atingirem este estádio, que pode durar cerca de 100
mil anos, estas estrelas passam a chamar-se variáveis luminosas
azuis. Elas são raras, em parte, porque estrelas tão maciças têm
períodos de vida muito mais curtos que o do Sol, uma estrela bastante
leve. Enquanto o nosso astro pode esperar "viver" vários milhares de
milhões de anos, as estrelas de maior massa têm uma "esperança de
vida" de uns meros 3 milhões de anos - um piscar de olhos à escala
cosmológica.
Os astrónomos pretendem saber o que acontece às variáveis luminosas
azuis quando o seu tempo chega ao fim. As teorias actuais dizem-nos
que estas terminarão como supernovas, tal como todas as estrelas de
grande massa. Mas, ao morrerem, estas estrelas poderão também criar
buracos negros e, possivelmente, fenómenos ainda mais estranhos
acompanhados de explosões de raios gama. A fonte destes clarões de
radiação de alta energia é, de facto, um dos actuais enigmas da
astronomia moderna.
Num Universo de triliões de estrelas, apenas se conhece uma meia
dúzia de variáveis luminosas azuis. Eta Carinae é única mesmo entre
elas.
Em 1848, a estrela surpreendeu os observadores ao ejectar uma enorme
nuvem de gás e poeira que ainda hoje se pode ver. No momento da
erupção era a segunda estrela mais brilhante do firmamento, logo após
Sirius. No fim da década de 1850, Eta Carinae começou a perder
brilho e, no prazo de dez anos, tornou-se tão pouco brilhante que já
não se podia ver a olho nu. O "fogo de artifício" estelar parecia ter
acabado e ninguém sabia porque é que ele tinha sequer começado.
Durante o século XX Eta Carinae voltou a aumentar o seu brilho
gradualmente, à medida que as suas camadas exteriores se
dispersavam. Mas era ainda um bulbo bastante obscuro e era mesmo
ignorada pela maioria dos observadores até aos princípios da década
de 1990, quando o astrónomo brasileiro Augusto Damineli, da
Universidade de São Paulo, sugeriu que se poderia verificar um ciclo
regular no espectro de luz emitido por Eta Carinae. Damineli observou
que a luz daquela estrela, em certos comprimentos de onda do
infra-vermelho próximo, parecia enfraquecer e depois ressurgir a cada
cinco anos e meio. Propôs então que Eta Carinae não seria uma mas sim
duas estrelas orbitando um centro de gravidade comum - uma situação
comum a pelo menos metade dos sistemas de estrelas maciças. A mudança
espectral periódica seria devida à ocultação parcial causada pela
passagem de uma das estrelas em frente à outra.
Devido à descoberta de Damineli, todos os olhos - incluindo os do
Telescópio Espacial Hubble - se encontravam apontados para Eta Carinae
em 1997, no momento em que a mudança espectral seguinte era
esperada. Ocorreu exactamente como previsto. Mas os dados recolhidos
pelo Hubble, nos dois anos seguintes, continham outra surpresa. Quando
Davidson e os seus colegas anunciaram os seus resultados, disseram que
a estrela tinha mais que duplicado o seu brilho.
Davidson afirmou que "O facto de Eta Carinae aumentar tanto de brilho
implica que a pressão gerada pela radiação é tão forte que deveria
rebentá-la completamente". De facto, a luz exerce uma pressão para o
exterior contrária à gravidade, ambas as forças estando relacionadas
com a massa de uma estrela. Estrelas com mais de 20 massas solares
são, tipicamente, tão brilhantes que perdem matéria para o Universo na
forma de vento estelar. Mas o vento estelar é firme e constante,
enquanto que a história de Eta Carinae tem sido irregular e
explosiva. Davidson compara o comportamento desta estrela a um geiser,
possivelmente "puxado" pela passagem de uma estrela companheira.
"Quando a estrela está prestes a explodir, o seu brilho começa a
sofrer complicadas flutuações. Ocorre de seguida uma erupção, após a
qual a estrela acalma e se torna mais estável. Pode sofrer uma destas
erupções gigantes uma vez em cada cem anos ou mesmo cada dois ou três
mil anos".
Ejecções menores e mais regulares de gás estelar poderiam ser também
responsáveis pela variação espectral periódica referida por Damineli,
afirma Davidson. E isto poderia estender a vida de Eta Carinae, ao
estabilizar as forças intra-estelares.
Há, no entanto, quem defenda que os recentes aumentos de brilho são o
anúncio do termo da vida da estrela. "Daquilo que sabemos sobre
evolução estelar, e de acordo com as observações actuais de Eta
Carinae, esta estrela não durará mais de 10 mil anos, diz Nolan
Walborn do Instituto de Ciência do Telescópio Espacial, em
Baltimore. "De facto, é como se ela já tivesse explodido e a luz da
sua explosão estivesse neste momento a caminho da Terra".
Outros astrónomos defendem que o recente aumento de brilho é apenas o
resultado de uma súbita desobstrução da nuvem de poeira que a
envolve. Mas os dados obtidos em Raios-X - os quais, ao contrário das
observações no visível, não são tão afectados por essa poeira -
mostram também um aumento do brilho, sugerindo que a perda de massa da
estrela está realmente a acontecer. "Isto poderia ser uma indicação de
que Eta Carinae está prestes a sofrer uma mudança dramática" afirma
Mike Corcoran do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA em Greenbelt,
Maryland, Estados Unidos. "Ou talvez sejam apenas variações que a
estrela sofre constantemente, mas que nunca tínhamos conseguido
observar".
Os dados sugerem também que Eta Carinae está a aquecer à medida que
aumenta o seu brilho, em vez de arrefecer, como acontece com a maioria
das variáveis luminosas azuis que, deste modo, conseguem manter a sua
energia total constante. Este comportamento levou Davidson a
questionar se Eta Carinae será mesmo uma variável luminosa azul.
"As estrelas mais maciças são ainda um mistério", diz Davidson. "Eta
Carinae poderá mudar a nossa visão sobre estes objectos, embora não
se saiba ainda até que ponto."
Eta Carinae poderá continuar a aumentar de brilho e de temperatura,
desafiando deste modo as leis da Física. Ou poderá continuar o ciclo
de erupções tipo geiser, aumentando o brilho e voltando a normalizar,
criando assim uma nova categoria de fenómeno estelar. Poderá também
oscilar entre brilhante e débil, tal como fez durante séculos até à
explosão do século XIX. Ou poderá explodir, espalhando o seu material
pelo cosmos e lançando raios gama em todas as direcções que, ao
chegarem à Terra, desactivariam todos os satélites que se encontrassem
no lado mais próximo da explosão.
Novas observações de Eta Carinae com o Telescópio Espacial Hubble
estão já previstas para muito breve.