Buraco negro monstro em rotação liberta energia!
Buracos negros podem ser piores monstros do que pensávamos. Não só devoram
inexoravelmente a matéria que os rodeia, mas também podem ser capazes de
expelir energia. Esta é a conclusão a que chegou uma equipa de astrónomos
cujo trabalho com o observatório de raios-X XMM-Newton da ESA produziu
resultados surpreendentes.
Buracos negros são objectos celestes extremamente compactos com campos
gravitacionais tão intensos que nada - nem mesmo a luz - consegue escapar
à sua atracção. Inspiraram muita ficção científica e os seus mecanismos
complexos ainda fascinam os astrónomos.
Estes objectos contêm a massa de milhares de milhões de massas solares
comprimida num espaço do tamanho do Sistema Solar. Se materia cai sob a sua
acção, os buracos negros apanham um verdadeiro festim. Antes de serem
engolidos, o gás e a poeira formam um disco de acreção em rotação rápida,
onde a fricção provoca um brilho intenso em comprimentos de onda dos raios-X.
A galáxia espiral MCG-6-30-15, situada a 100 milhões de anos-luz de distância,
foi observada com o XMM-Newton em Junho de 2000 por uma equipa de astrónomos
liderada pelo Dr. Jorn Wilms, do Instituto de Astronomia e Astrofísica da
Universidade Eberhard-Karls em Tubingen, Alemanha. Os dados obtidos
levaram-os a concluir que a energia não só está a ser absorvida pelo buraco
negro, mas está também a escapar-se dele.
"Com o imenso poder do XMM-Newton descobrimos algo nunca antes observado num
buraco negro," explica Jorn Wilms. "As cameras EPIC do observatório obtiveram
um espectro, um tipo de impressão digital química dos elementos presentes.
Nele é visível uma risca larga pouco usual, correspondente à presença de
ferro no disco de acreção. Esta risca larga foi detectada inicialmente com o
satélite ASCA em 1995, mas nunca a tinhamos conseguido ver com tanta clareza.
E encontra-se plena de detalhes surpreendentes"
A análise da risca de ferro levou a equipa a deduzir que esta risca larga tem
origem em emissão de raios-X proveniente das regiões mais interiores do disco
de acreção, a região imediatamente anterior àquela onde a matéria desaparece
no buraco negro. Mas o número de fotões e as suas energias medidas pelo
XMM-Newton excedem largamente aquilo que poderia ser esperado a partir dos
modelos existentes para os discos de acreção de buracos negros super-maciços.
"É como uma bola de borracha que fazemos saltar no chão," explica Wilms.
"Sabemos a composição da superfície e podemos prever quando e como a bola vai
voltar. Mas aqui a bola voltou muito mais depressa, como se existisse uma
mola onde ela tivesse batido. No caso deste buraco negro, isto significa que
algo mais está a excitar os átomos de ferro que brilham nos raios-X"
O desafio estava lançado para uma explicação convincente para a origem desta
energia extra. O estudo envolveu uma modelação matemática intensa, sendo um
dos parâmetros usados o facto, revelado pelos dados, que o buraco negro está
em rotação.
De acordo com a equipa, um modelo satisfaz as observações. Corresponde a uma
teoria proposta há 25 anos por dois astrónomos da Universidade de
Cambridge. Roger Blandford e Roman Znajek sugeriram que energia rotacional
pode escapar de um buraco negro quando este se encontra num campo
magnético forte que sobre ele exerce um efeito de travagem. Esta teoria
satisfaz as leis da termodinâmica que dizem que a energia libertada deve ser
absorvida pelo gás envolvente.
"Observamos este efeito de dínamo eléctrico provavelmente pela primeira vez.
Energia está a ser extraída da rotação do buraco negro e depositada nas partes
mais interiores do disco de acreção, tornando-o mais quente e mais brilhante
nos raios-X," refere Jorn Wilms.
O co-investigador Dr. Christopher Reynolds da Universidade de Maryland e
outros investigadores norte-americanos da equipa contribuiram enormemente
para a interpretação teórica dos dados "Nunca antes vimos energia extraída de
buracos negros. Temos sempre visto energia sendo absorvida, mas nunca
expelida," diz Reynolds, que realizou muita da análise na Universidade do
Colorado. Entre os cientistas envolvidos neste trabalho contam-se James
Reeves da Universidade de Leicester, Reino Unido, e Silvano Molendi do
Instituto de Fisica Cósmica "G. Occhialini", Milão, Itália.
Os resultados desta investigação, a serem publicados no Monthly Notices of
the Royal Astronomical Society, estão já a provocar um debate intenso.
Muitos outros peritos em buracos negros defendem que as observações não
fornecem evidências inequívocas. Outros factores podem estar presentes e a
explicação "magnetodinâmica" pode não ser a única possível.
"Reconhecemos que mais observações, já propostas por nós próprios e outras
equipas de investigação, são necessárias para confirmar as nossas conclusões,"
diz Jorn Wilms. "Mas não há equívoco na detecção desta risca de ferro
excepcionalmente forte no espectro da MCG-6-30-15. É extremamente intrigante
e uma explicação deve ser encontrada."
Uma coisa é certa: há dois anos apenas, antes das operações com o
observatório europeu de raios-X se terem iniciado, ninguém ousaria propor
estas interpretações. Espectros com a qualidade dos obtidos pelo XMM-Newton
não eram, pura e simplesmente, possíveis.